Saiu hoje n’O Globo:
A herança maldita
- Em meio a esta barafunda, não causam estranheza o ataque, o controle e a sujeição do Supremo Tribunal Federal à horda lulista
ARTIGO – MARCO ANTONIO VILLA
Publicado:
O lulismo vai deixar sinais indeléveis no Estado brasileiro. E,
pelo visto, deve permanecer no poder até, no mínimo, 2018. Inexiste setor do
Estado em que não tenha deixado sua marca. A eficácia na tomada do aparelho
estatal é parte de um projeto de manietar o país, de controlar os três
poderes.
O grande empresariado foi se transformando em um dos braços do
Estado. A cada dia aumentou sua dependência dos humores governamentais. Ter uma
boa relação com o Palácio do Planalto virou condição indispensável para o
sucesso. O empresário se tornou capitalista do capital alheio, do capital
público. Para a burguesia lulista, nenhum empreendimento pode ter êxito sem a
participação dos fundos de pensão dos bancos e empresas estatais, dos generosos
empréstimos do BNDES e da ação direta do governo criando um arcabouço legal para
facilitar a acumulação de capital — sem esquecer as obras no exterior,
extremamente lucrativas, de risco inexistente, onde a empresa recebe de mão
beijada, sem concorrência, como as realizadas na África e na América
Latina.
A petrificação da pobreza se transformou em êxito. Coisas do
lulismo. As 14 milhões de famílias que recebem o benefício do Bolsa Família são,
hoje, um importante patrimônio político. Se cada família tiver, em média, 4
eleitores, estamos falando de 1/3 do eleitorado. A permanência ad
aeternum no programa virou meio de vida. E de ganhar eleição. Que candidato
a presidente teria coragem de anunciar o desejo de reformar o programa
estabelecendo metas de permanência no Bolsa Família?
A máquina do Estado foi inchada por milhares de petistas e
neopetistas. Além dos quase 25 mil cargos de assessoria, nos últimos onze anos
foram admitidos milhares de novos funcionários concursados — portanto, estáveis.
Diversamente do que seria razoável, a maior parte não está nas áreas mais
necessitadas. Um bom (e triste) exemplo é o das universidades federais. Foi
realizada uma expansão absolutamente irresponsável. Faculdades, campi, cursos,
milhares de funcionários e docentes, para quê? Havia algum projeto de
desenvolvimento científico? A criação dos cursos esteve vinculada às
necessidades econômicas regionais? Foi realizado algum estudo das carências
locais? Ou tudo não passou, simplesmente, de atendimento de demandas
oligárquicas, corporativas e para dourar os números do MEC sobre o total de
universitários no país?
Sem ter qualquer projeto para o futuro, foi acentuado o perfil
neocolonial da nossa economia. Vivemos dependentes da evolução dos preços das
commodities no mercado internacional — e rezando para que a China continue
crescendo. Não temos uma política industrial. O setor foi perdendo importância.
O investimento em ciência e tecnologia é ínfimo. A chamada nova economia tem
importância desprezível no nosso PIB. A qualificação da força de trabalho é
precária. Convivemos com milhões de analfabetos como se fosse um dado imutável
da natureza.
A política externa amarrou o destino do Brasil a um
terceiromundismo absolutamente fora de época. Nos fóruns internacionais, o país
se transformou em aliado preferencial das ditaduras e adversário contumaz dos
Estados Unidos. Abandonamos o estabelecimento de acordos bilaterais para
fomentar o comércio. Enquanto o eixo dinâmico do capitalismo foi se transferindo
para a região Ásia-Pacífico, o Brasil aprofundou ainda mais sua relação com o
Mercosul. Em vez de buscar novas parcerias, optamos por transformar os governos
bolivarianos em aliados incondicionais.
Entre os artistas, a dependência estatal foi se ampliando. Uma
simples peça de teatro, um filme, um show musical, nada mais é realizado sem que
tenha a participação do Estado, direta ou indiretamente. Ter bons relações com o
lulismo virou condição indispensável para a obtenção de “apoio cultural”. Nunca
na história republicana artistas foram tão dependentes do governo — nem no
Estado Novo. E cumprem servilmente o dever de obediência ao governo, sem
qualquer questionamento.
O movimento sindical foi apresado pelo governo. Os novos pelegos
controlam com mão de ferro “seus” sindicatos. Recebem repasses milionários sem
ter de prestar contas a nenhum organismo independente. Não vai causar estranheza
se o Congresso — nesta escalada de reconhecer novas profissões — instituir a de
sindicalista. A maioria dos dirigentes passou rapidamente pela fábrica ou
escritório e está há décadas “servindo” os trabalhadores. Ser sindicalista virou
um instrumento de ascensão social. E caminho para alçar altos voos na
política.
O filé mignon do sindicalismo são os fundos de pensão das
empresas e bancos estatais. Seus diretores — do dia para a noite — entraram no
topo da carreira de profissionais do mercado financeiro. Recebem salários e
bonificações de dar inveja aos executivos privados. Passam a conviver com a
elite econômica. São mimoseados pela burguesia financeira de olho nos recursos
milionários dos fundos. Mas ser designado para a direção do Fundo de Amparo ao
Trabalhador é o sonho dourado dos novos pelegos.
Em meio a esta barafunda, não causam estranheza o ataque, o
controle e a sujeição do Supremo Tribunal Federal à horda lulista. Os valores
éticos e republicanos não combinam com sua ação política. Daí a necessidade de
aparelhar todas as instâncias do Estado. E colocá-las a seu serviço, como já o
fez com o Congresso Nacional; hoje, mero puxadinho do Palácio do
Planalto.
Na república lulista, não há futuro, só existe o
tempo.
Marco Antonio Villa é historiador
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