Julgando
de barriga cheia
Um juiz federal brasileiro começa ganhando cerca de € 109
mil anuais, enquanto seu colega francês em início de carreira recebe € 40.660 e
o alemão, € 41.127
11 de novembro de 2012 | 2h 09
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TÚLIO VIANNA É PROFESSOR DA FACULDADE DE
DIREITO DA UFMG - O Estado de S.Paulo
A paralisação dos juízes federais e
trabalhistas ocorrida nos dias 7 e 8 deste mês reivindicando aumento salarial é
a prova cabal de que alguns magistrados brasileiros ainda vivem em uma torre de
marfim e se recusam a sair dela. Reivindicar aumento salarial é uma atitude
compreensível em qualquer categoria profissional, mas levando-se em conta a
situação dos demais servidores públicos brasileiros, a interrupção das
atividades de um dos três poderes da República mostrou-se precipitada e
inoportuna. Causa perplexidade que, em um país cujo salário médio é de R$ 1.345,
um magistrado venha a público afirmar que a paralisação estaria ocorrendo porque
"com R$ 15 mil líquidos não é possível viver com estabilidade financeira" e, por
causa disso, muitos juízes "estão vivendo com créditos consignados".
Um
magistrado brasileiro, em início de carreira, ganha hoje cerca de 35 salários
mínimos. É, portanto, considerado integrante do seleto grupo da classe A
brasileira. Se isso não for suficiente para lhe permitir viver muito bem sem
recorrer a empréstimos, seu problema não é de remuneração, mas de mau
gerenciamento de recursos.
Os juízes brasileiros estão entre os mais bem
pagos do mundo. Um juiz federal brasileiro ingressa na carreira ganhando R$
21.766,16 - o que, levando-se em conta o 13º, equivale a uma remuneração anual
de cerca de € 109 mil. Comparado aos subsídios dos colegas europeus, os
magistrados brasileiros ganham valores significativamente superiores. Na França
um juiz em início de carreira ganha por ano € 40.660, e na Alemanha € 41.127
(dados de 2010 do Relatório de Avaliação dos Sistemas Judiciais Europeus da
Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça).
O magistrado brasileiro já
inicia a carreira ganhando cerca de 80% do que ganha um ministro do Supremo
Tribunal Federal, por causa do art. 93, V, da Constituição, que estabelece uma
diferença de no mínimo 5% e no máximo de 10% entre cada nível da carreira da
magistratura. Se no início a pouca diferença salarial em relação aos ministros
do STF pode ser bastante estimulante, com o passar do tempo o magistrado acaba
se frustrando por ter uma perspectiva de ascensão econômica tão
pequena.
Os subsídios de final de carreira da magistratura nacional,
porém, não são nada baixos se comparados aos de colegas europeus. Hoje um
ministro do STF ganha mensalmente R$ 26.723,13, o que equivale a cerca de € 134
mil por ano, valor superior, portanto, aos pagos aos juízes da Suprema Corte da
França (€ 113.478) e da Alemanha (€ 73.679).
É bem verdade que os juízes,
para ingressarem na carreira, necessitam ser aprovados em concorridos concursos
públicos. É bom lembrar, porém, que a escolaridade exigida para ingresso na
magistratura é somente a graduação em direito. Mesmo assim, o primeiro subsídio
de um juiz já é quase o dobro do de um professor titular de universidade pública
em final de carreira. E do professor se exige no mínimo o mestrado e o
doutorado, o que implica pelo menos seis anos de estudos além da
graduação.
Há quem alegue que os subsídios dos magistrados precisam ser
altos para evitar que eles desistam da carreira e optem por advogar. Em qualquer
país do mundo, porém, os melhores advogados ganham bem mais que juízes. Um
escritório de advocacia é um investimento de risco que exige um capital inicial
e anos de trabalho para consolidar o nome do profissional no mercado. A
magistratura, por outro lado, é uma carreira bem diferente, que oferece
estabilidade, aposentadoria com proventos integrais e um rendimento mensal
inicial que dificilmente um advogado vai obter nos primeiros anos de atividade.
Cada carreira tem suas vantagens e cada bacharel vai optar entre elas conforme
seu perfil de risco e sua vocação profissional.
Finalmente, chega-se ao
cúmulo de argumentar que juízes precisam ganhar muito bem para não se
corromperem. O que evita que magistrados se corrompam é ética e, para aqueles
que não a tem, uma corregedoria vigilante. Nenhum subsídio pago pelo Estado pode
fazer frente aos valores oferecidos a título de suborno por organizações
criminosas.
O dinheiro público é escasso e cabe ao governo decidir onde
ele deve ser investido prioritariamente. O Poder Judiciário hoje paga a seus
magistrados as melhores remunerações da República e presta um serviço cuja
notória morosidade indica que o principal problema desse poder não está nos
subsídios baixos, mas no número insuficiente de juízes. Muito mais razoável do
que se conceder 30% de aumento aos magistrados, tal como eles vêm reivindicando,
seria aumentar o número de juízes em 30% para reduzir a elevada carga de
trabalho da magistratura e garantir uma prestação jurisdicional mais célere para
o cidadão que ganha R$ 622 por mês e não pode se dar ao luxo sequer de viver de
créditos consignados para pagar suas contas.
*
TÚLIO VIANNA É
PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG
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