Publicado em 29 de agosto de 2012
às 23:14 por ROBERTO REQUIãO, em discurso no Senado
O Partido
dos Trabalhadores, o glorioso e inefável PT, reintroduz, em grande estilo, aos
usos e discursos políticos, um dos piores defeitos do caráter pátrio: o emprego
do eufemismo, essa figura de linguagem ou recurso estilístico que serve tanto
para encobrir o preconceito, racial ou de classe, como para dissimular, para trapacear
e ocultar com nuvens róseas a verdade dos fatos.
Eufemismo
que transforma os negros em “morenos”, porque “negro”, para os nossos burgueses
bem postados e bacharéis de anel de rubi, é uma idéia pouco agradável, já
“moreno” suaviza a rejeição. Eufemismo que transforma os trabalhadores, os pobres,
os explorados em geral em “menos favorecidos pela sorte”;
as
escravas domésticas em “secretárias”; os ladrões do dinheiro público em
“supostos” assaltantes do erário; os bicheiros e contraventores em “empresários
de jogos”; os especuladores em “investidores”; a lavagem de dinheiro em “engenharia
financeira”; os empregados miseravelmente
assalariados
dos supermercados em “colaboradores”. E patrões em “colegas de trabalho”, como
os nossos jornalistas tratam os Marinho, os Civita, os Mesquita, os Frias,
segundo a observação
demolidora
de Mino Carta.
Pois bem,
eis que o já citado glorioso e inefável Partido dos Trabalhadores oferece a sua
prestimosa ajuda para a coleção de eufemismos que disfarça, distorce, empana a
crueza da realidade nacional. Segundo o novíssimo dicionário petista da negação
da história, dos fatos da vida e dos compromissos programáticos, conceder não é
privatizar. Concessão é uma coisa, privatização outra, dizem.
De que a
semântica não é capaz!
Por seis
vezes, não por uma, duas ou três, mas por seis vezes, apoiei e trabalhei pelo
candidato do PT à presidência da República.
No
Paraná, nos meus dois últimos mandatos, governei em aliança com o PT. Nesta
Casa, sou da base do Governo Dilma.
Isso, no
entanto, não me impede, não me inibe ou me descredencia a deplorar não apenas
as desculpas piedosas ou a falta de originalidade nas explicações e as
tentativas de trapacear a
verdade,
não apenas isso, mas sobretudo o fato em si; isto é, as privatizações. E elas
são o que são: privatizações, sem rebuço, sem disfarce, cruamente,
verdadeiramente privatizações.
E eu sou
contra.
Há uma
anedota, que o decoro parlamentar impede-me de contar, sobre a mecânica das
concessões e das parcerias público-privadas. Quem participa com o que.
Caso eu
tivesse alguma dúvida, ela se dissolveria lendo as entusiasmadas, e até
poéticas, ao seu estilo, declarações do senhor Eike Batista, saudando as
concessões anunciadas pelo presidente Dilma. O senhor Batista, bilionária
criação de outras concessões petistas, parecia surfando nas nuvens, de tão deleitado.
O
discurso é o mesmo de sempre. A velha história da falta de recursos para tocar
as obras de infra-estrutura; a diminuição do tamanho do Estado; a eficiência da
iniciativa privada; o combate ao
desperdício
e à corrupção e lorotas da espécie.
Houve um
momento, lá no passado, que imaginei que o PT aprendera as lições das
concessões-privatizações empreendidas pelos tucanos.
Por
exemplos, a concessão das ferrovias a ALL et alia, hoje um caso de polícia
segundo o TCU e o Ministério Público; a concessão de rodovias, com a imposição
de tarifas de pedágio abusivas,
transformando
as concessionárias em sócios indesejados dos agricultores, dos industriais e
dos caminhoneiros; a concessão, em várias partes do país, dos serviços de
energia elétrica e de
saneamento,
com a acentuada piora desses serviços ao mesmo da elevação vertiginosa das
tarifas.
Lá no
Paraná, parte da empresa pública de saneamento, a Sanepar, foi privatizada.
Embora minoritário, o sócio privado assumiu a gestão da empresa que, com todas
as letras, sem qualquer pejo ou escrúpulo, decretou que a prioridade da Sanepar
passava a ser o lucro dos acionistas. E tome aumenta de tarifas. Quando assumi
o governo, em 2003, congelei as tarifas de saneamento e as mantive congeladas
por oito anos, sem prejuízo para a saúde financeira da empresa, o que dá uma
idéia do quanto eles inflaram o preço da água e do esgoto para remunerar o sócio
privado.
No
capítulo das concessões e privatizações brasileiras temos ainda dois
ingredientes típicos dos negócios público-privados: o financiamento das
privatizações e os contratos de concessão.
Como se
sabe, o Estado privatiza porque não tem dinheiro para tocar obras de
infra-estrutura ou comandar os setores de energia, saneamento e comunicações.
Mas como os candidatos às concessões e privatizações também não tem dinheiro
para arrematar as ditas nos leilões, não há problema: o Estado empresta o dinheiro
para que a iniciativa privada compre aquilo que Estado não tem dinheiro para tocar.
Não é
piada, não estou aqui usando a navalha de Occam para reduzir ou simplificar as
coisas. É assim mesmo que funciona, porque como ensinava o bom frade já lá no
distante século 14, a
explicação
mais simples geralmente é a correta.
O BNDES e
os fundos de pensão da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa também não me
deixam na mão e assinam minhas afirmações com os tantos bilhões de reais
“investidos” nas concessões e privatizações.
Modelozinho
interessante, não acham, senhoras e senhores senadores?
Outro
ingrediente distintivo, característico desse modelo são os contratos de
concessão. Os concessionários de ferrovias e rodovias, para citar, assumem
compromissos de extensão e duplicação das estradas, construção de viadutos,
túneis, elevados, passarelas.
Mas fazem
o mínimo possível. Só arrecadam e não há quem os puna pelo contrato não
cumprido. A intangibilidade das concessionárias é uma cláusula não escrita dos
contratos, mas nem por isso deixa de ser obedecida com fervor pelas agências
reguladoras.
O caos na
telefonia celular só recebeu a atenção da Anatel porque os abusos foram muito
além daquele “índice de abuso” que a agência julga tolerável.
Senhoras e senhores senadores.
Na virada
da década de 80, e desta para os anos 90, vimos o ascenso, que parecia
inelutável, do neoliberalismo. Tal qual na porta do inferno de Dante,também
gravara-se gravara nos caminhos dos povos: “Abandone toda a esperança aquele
que aqui entrar”.
Assim,
vimos, com tristeza e dor, as velhas correntes social-democratas e socialistas
moderadas na Europa, na Ásia, nas Américas cederem, capitularem diante da
arremetida dos novos bárbaros. Mas não no Brasil. Aqui, o PT parecia resistir à
galopada dos godos e visigodos.
Por isso
tudo, houve um momento que imaginei que o PT seria firme, intransigente, no
repúdio às concessões e privatizações, especialmente as concessões e
privatizações à moda tucana.
Enganei-me.
Quando
reptados pela oposição, especialmente pela aguerrida bancada do PSDB, o PT
reparte-se em dois. Há aqueles que batem no peito e ufanam-se: Evoluímos!
Avançamos!
E
comemoram o retrocesso com o fervor dos apóstatas. Há aqueles que se refugiam
na semântica e, de forma até mesmo divertida, cômica esforçam-se para provar
que o lobo é uma inocente
e cândida
ovelha.
Assim,
sem oposição, já que toda a mídia atua no coro nas privatizações, e a elas não
se opõem sequer partidos ditos de esquerda ou progressistas como o PCdoB, o PSB
e o PDT, sem oposição, o Governo reedita um dos cânones da desgastada e desmoralizada
cartilha neoliberal.
Mas a
“evolução”, o “avanço” do PT e de nosso Governo Federal não para por aí.
Animem-se privatistas, anime-se mercado, regozijem-se transnacionais, que vem
mais.
A EMBRAPA CORRE PERIGO
UMA IDéIA
QUE NãO é DE HOJE, PROGRIDE, SEM MUITO ALARDE NESTA CASA:
A PRIVATIZAÇÃO DA EMBRAPA. DE NOVO O
EUFEMISMO.
DIZEM QUE
NÃO É PRIVATIZAÇÃO, QUE É ABERTURA DE CAPITAL.
DE NOVO A
ALEGAÇÃO DE SEMPRE: A EMBRAPA NãO TEM RECURSOS, VAMOS CAPTAR OS RECURSOS NO
MERCADO, ABRINDO O CAPITAL DA EMPRESA.
NãO é
PRECISO MAIS QUE DOIS NEURôNIOS PARA SABER QUE “MERCADO” é ESSE QUE VAI SE
APROPRIAR DE BOA PARTE DA EMPRESA.
ESSE “MERCADO” CHAMA-SE :
MONSANTO, SYNGENTA, BAYER, CARGILL, DOW AGRO,
CIBA-GEIGY, SANDOZ, AS GIGANTES TRANSNACIONAIS DO SETOR QUE MONOPOLIZAM A
PESQUISA E A PRODUÇÃO DE SEMENTES, DEFENSIVOS AGRíCOLAS, BIOGENéTICA E
ATIVIDADES DO GêNERO.
Pergunta
a agrônoma e especialista em biodiversidade Ângela Cordeiro:
“ “Considerando a importância da inovação e
pesquisa na agricultura para um Brasil sustentável, sem fome e sem miséria, o
que esperar de uma empresa de pesquisa cuja agenda venha a ser orientada pelos
desejos da Monsanto, Syngenta, Bayer?””
Segundo
ela, se, hoje, já é difícil incluir na pauta de pesquisa da Embrapa temas como
a agricultura familiar e agroecologia, imagina o que vai ser com tais sócios.
Para ela, a abertura do capital da Embrapa e o inevitável redirecionamento de
suas pesquisas caminham na contramão do programa do Governo Dilma, que diz
priorizar a segurança alimentar e o combate à fome no país.
Com toda
certeza, aduz-se, a Monsanto e quetais não estão propriamente interessadas no
dístico “país rico é país sem pobreza”, sem fome, sem deserdados da terra e sem
terras.
A
agrônoma Ângela Cordeiro alerta para outro risco da abertura de capital da
Embrapa, enfim, de sua privatização: a apropriação privada de recursos
genéticos depositados no fabuloso, riquíssimo
Centro
Nacional de Pesquisas Genéticas e Biotecnologia, o CENARGEM.
O ACERVO
DO CENARGEM E OS BANCOS DOS DEMAIS CENTROS DE PESQUISAS DA
VãO SE
TORNAR PROPRIEDADE DOS ACIONISTAS PRIVADOS? TUDO O QUE
ACUMULAMOS
EM DEZENAS DE ANOS DE PESQUISAS, COM INVESTIMENTOS
PúBLICOS,
COM O SUADO DINHEIRO DE CADA BRASILEIRO, TUDO ISSO VAI
SER ENTREGUE
DE MãO BEIJADA PARA A MONSANTO ET CATERVA?
Ou alguém
é ingênuo ao ponto de achar que as sete irmãs que dominam a produção de
sementes e dos chamados, eufemisticamente, “defensivos agrícolas” vão
associar-se à Embrapa sem a
intenção
de botar a mão grande em uma dos mais fantásticos acervos de pesquisas
agropecuárias e florestais do planeta Terra?
O
jornalista Leonardo Sakamoto, reproduziu esses dias em seu blog, o “Blog do
Sakamoto”, o alerta de um outro jornalista, Xavier Bartaburu, sobre o
desaparecimento do mapa do mundo, a extinção mesmo, de cerca de 800 alimentos,
dezenas deles no Brasil.
Não são
apenas animais e florestas que correm riscos. Os alimentos também. Alimentos Tradicionais,
que fazem parte da história, da vida, da cultura de povos e que garantem a
subsistência de centenas de milhões de pessoas correm o risco da extinção.
Mesmo que
aos trancos e barrancos, e graças à teimosia de alguns pesquisadores, a Embrapa
tem ajudado a preservar os alimentos tradicionais. Essa resistência, é líquido
e certo, cessará com a
privatização
da empresa.
Afinal que interesse a Monsanto, a Syngenta, a
Bayer teriam no umbu, nas frutas do cerrado, no baru, no berbigão, nas
quebradeiras do babaçu do Maranhão, nos índios produtores do guaraná nativo, no
caranguejo aratu dos manguezais do Sergipe, só para citar alimentos brasileiros
na lista de risco, listados pelo jornalista?
Certamente
o mesmo interesse que o mercado tem pelo destino da ararinha-azul. Afinal, o
que o mercado quer é a transformação do planeta em uma imensa plantation, com
soja, milho, algodão, de preferência tudo transgênico.
Privatizar
a Embrapa –ou como tentam amenizar os pregoeiros, “abrir o capital da empresa”–
sob a alegação de falta de recursos para pesquisas é mais um desses manjados
argumentos de que
abusam os
liberais todas às vezes que cobiçam um naco de uma empresa pública.
De todo
modo, faço fé na resistência da diretoria da Empraba e de seus pesquisadores e Funcionários.
É uma trincheira em que vale a pena combater.
Senhoras e senhores senadores, assim caminha o
Brasil; ou melhor, assim retrocede o Brasil.
O
economista Paul Krugman, analisando a proposta de cortes de gastos e de
responsabilidade fiscal oferecida aos Estados Unidos por Paul Ryan, candidato a
vice-presidente na chapa de Mitt Romney, conclui:
“Parece
piada, mas desgraçadamente, não é piada”. Plagio o Nobel da Economia ao ver
esse hilariante debate entre petista e tucanos sobre concessões e privatizações:
“Parece piada, mas desgraçadamente, não é piada”.
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