ENTULHO DA CONSTRUÇÃO CIVIL (ENGENHARIA CIVIL)
É PRECISO
CONSUMÍ-LO EM GRANDES QUANTIDADES,
O QUE IMPLICA ESTIMULAR SEU USO BRUTO OU
SEMI-BRUTO
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
Para termos uma
pálida idéia da dimensão dos problemas decorrentes do descarte irregular do
entulho inerte de construção civil (ECC) tenha-se em conta que em todo o país
algo em torno de 70% do enorme volume de entulho gerado é disposto
clandestinamente em terrenos baldios, margens e leitos de córregos, grotas e
encostas de alta declividade, laterais de ruas desertas e de bairros
periféricos, estradas rurais peri-urbanas e, quando não, no silêncio das
madrugadas, até em vias e espaços urbanos já consolidados. Os graves problemas
decorrentes são conhecidos, ou fáceis de se imaginar: degradação sanitária, ambiental,
social e vivencial de áreas urbanas, instalação de áreas de risco a
deslizamentos, aumento da população de animais e insetos perigosos como vetores
de acidentes e doenças, enchentes associadas ao assoreamento e obstrução da
rede de drenagem natural e construída, prejuízos financeiros e patrimoniais
diretos e indiretos para o cidadão e para a administração pública, etc.
Como exemplo, a
cidade de São Paulo está a produzir cerca de 5 milhões de toneladas de
entulho/ano, em grande parte oriundas de uma profusão enorme de pequenas
reformas domésticas espalhadas por todo o espaço urbanizado. Estima-se que
estejam em operação na cidade cerca de 30 mil caçambas recolhedoras de entulho,
das quais perto de 50% em condição irregular. Ou seja, se já é difícil o
controle do descarte do entulho recolhido por caçambas regularizadas, o que
dizer das irregulares. Pior, opera ainda no município um enorme número, não
devidamente quantificado, de caçambas totalmente clandestinas, sobre as quais
não há qualquer controle de origem e destino. Tenha-se por fim em conta que o
recolhimento em e por caçambas constitui apenas uma das muitas formas que o
produtor de entulho tem à sua disposição para se ver livre desse seu indesejável
resíduo. Como já referido esses outros expedientes de descarte irregular são
responsáveis por mais de 70% do volume total gerado na cidade.
Especialmente a partir da aprovação da Resolução CONAMA nº
307, de 05/07/2002, da qual decorreram termos legais estaduais e municipais
dando providências às suas determinações, muitas pesquisas e iniciativas vêm
colocando o país em um avançado patamar de conhecimentos e disposições
regulatórias para a boa gestão dos resíduos inertes da construção civil. No caso
presente, resíduos da Classe A, alvenarias, concreto, argamassas de todo o tipo
e materiais granulares naturais ou beneficiados. Um animador número de
municípios tem adotado e implementado ambiciosos programas de gestão do ECC,
havendo, por decorrência, já boa experiência acumulada na atividade.
Entretanto, esse bom estímulo ao uso do entulho vem privilegiando
aplicações que exigem seu beneficiamento industrial, via coleta, armazenamento
centralizado, separação primária, britagem e seleção granulométrica, além de
uma estrutura logística e comercial específica e operacionalmente capaz dos
atendimentos inerentes à comercialização e distribuição desse tipo de insumo de
construção. Essas operações, ditas de reciclagem, acabam por conferir um valor real
ao produto final que, em grande parte das situações, inibe seu uso mais
generalizado.
Diante dessas
dificuldades econômicas, comerciais e logísticas, e considerado o altíssimo
volume de ECC que vem sendo diariamente gerado por nossas cidades, continua na
prática prevalecendo o convidativo convite ao cômodo e barato, ainda que
anti-social e criminoso, descarte irregular do entulho gerado.
Não há outro
caminho, a única forma de se inibir o lançamento irregular do ECC está em
agregar-lhe valor como insumo da própria construção civil, de tal forma que, uma
vez lucrativa sua comercialização, as ordens de grandeza entre o entulho
produzido e o entulho reutilizado venham a ser ao menos similares. Para tanto,
paralelamente ao que já vem sendo feito, é preciso criar condições para seu uso
em grandes volumes. Essa meta exige como condição elementar a redução máxima de
seus custos, o que será possível com o estímulo a aplicações do ECC em estado
bruto ou semi-bruto, ou seja, não demandadoras de prévias operações de
beneficiamento industrial.
Do ponto de vista
mais comercial esse objetivo será tão mais facilmente e rapidamente atingido
quanto mais sustentado por legislações municipais
específicas que propiciem mercado garantido para a aquisição e aplicação do ECC
em estado bruto e semi-bruto. Criado um mercado firme, ou seja, garantida a
demanda, certamente o setor privado, com o devido estímulo e regulamentação
oficiais, organizar-se-á e equacionará a questão da oferta.
Entre as aplicações de ECC bruto ou semi-bruto, que demandariam grandes
volumes desse insumo, destacam-se: aterros e proteções de saias de aterro, barragens
de enrocamento, preenchimento de figuras de erosão como ravinas e bossorocas, berços
de tubulações, base e reforço de sub-leito de vias urbanas e rurais e grandes
pátios abertos, encascalhamento de vias não pavimentadas, obras de proteção
costeira e controle de correntes marinhas, estruturas de contenção de taludes
de cortes e aterros, elementos drenantes, sistemas de dissipação de energia
hidráulica, etc.
Enfim, as pesquisas e experiências práticas já executadas e em execução
nos proveram conhecimento acumulado para um bom equacionamento dos problemas urbanos
gerados pelo lançamento irregular do entulho inerte de construção civil. Todas
as condições estão hoje dadas para um passo mais ambicioso à frente, que traria
como virtuosa decorrência uma redução drástica das disposições irregulares. O
largo uso bruto ou semi-bruto do entulho representa a essência
técnico-logística desse novo avanço.
Geól. Álvaro
Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
·
Ex-Diretor
de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
·
Autor
dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande
Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão” e “Enchentes e Deslizamentos:
Causas e Soluções”
·
Consultor
em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
·
Criador
da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão
·
Diretor-presidente
da ARS Geologia Ltda.
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