Caros senhores
candidatos a prefeito da minha sagrada cidade de Joinville
Quem sou eu para dar
conselhos? Porém, permito dar algumas dicas. Sou urbano de pai e mãe. Conheço
muito mais cidades do mundo do que vocês de palanques de comício. Já montei mais
de 36 atelieres em várias partes desta terra de Deus. De todos, como num
v
entre fértil, fiz minha pátria, não importando em que lugar fosse, aqui
ou acolá. O inteligente aprende vendo os erros dos outros. Todo forasteiro que
tenta impor seus valores em terras alheias acaba sendo sacrificado; boi no pasto
do vizinho é vaca. É necessário saber, com muito cuidado, seduzir, não impondo
suas verdades, mas sim deixando transparecer. Cada cidade já tem seu código, sua
moral, seus pesos e medidas. Não tente mudar. Mesmo por que a cidade tem mais
tempo de vida que os senhores. E, com certeza, os senhores irão morrer muito
antes que ela.
Como joinvilense de corpo e alma, tenho consciência de que
nossa querida cidade não tem grandes apelos de belezas anatômicas, como praias,
lagos, montanhas cobertas de neve, cascatas, ilhas, dunas e outras maravilhas de
valores turísticos e ecológicos. Temos alguns morros que, se não tivermos
atenção, vão virar favelas. Sou testemunha da transformação dos morros do Rio de
Janeiro. Na gastronomia, temos algumas delícias, pratos e doces típicos da nossa
cultura, porém não é dado estímulo às novas gerações para aprenderem as receitas
da vovó.
Temos um rio morto e podre. Vários prefeitos prometeram
salvá-lo, mas nada aconteceu. Também vivi como testemunha ocular que o rio
Cachoeira já foi tão bonito quanto o rio Sena em Paris e o rio Arno em Florença.
Lembro que, aos domingos, nas margens, as famílias faziam piquenique. Havia
competições de barcos a remo. Namorados navegando em canoas, outros simplesmente
mergulhando nas águas limpas e senhoras nas câmaras de pneus no belo e largo
rio. Navios de grande calado atracavam no porto do Bucarein ou no do mercado
municipal, trazendo riquezas do mundo (tenho dezenas de fotos tiradas por meu
pai, João Machado). Afinal, o rio foi o caminho para chegada dos primeiros
imigrantes, se isso fosse hoje, voltariam todos caminhando sobre a
lama.
Nosso clima é outra coisa séria e que ninguém reflete sobre. Ou
chove muito ou tem sol de rachar, com os mesmos problemas que se repetem ano a
ano: inundações, deslizamentos, engarrafamentos, postes caídos, etc, etc. E os
eleitores pedestres com a água na cintura. Caros senhores, estes problemas já
conhecidos – mais esgoto, transporte público, saúde, luz, gás, educação... – não
é privilégio para o povo; é obrigação do governo.
Vamos proteger os que
andam a pé, que é o meu caso (joguei no lixo meu carro quando fiz 60 anos, meu
melhor presente). Pessoas a pé também são humanas e têm sentimentos. Digo isto
porque arquitetos, engenheiros e outros mais acabaram com as marquises na nossa
cidade. Em muitos lugares do mundo, caminho tranquilamente sem me molhar ou
assar os miolos, graças às protetoras marquises que foram criadas para isto.
Plante árvores de folhas grandes por toda a cidade. Generoso que sou, dou de
graça o nome da nova campanha: “Uma árvore para cada cidadão”. Simples, bonito e
útil.
O código de Joinville está ficando nebuloso. Na verdade, é um grito
de nostalgia de coisas que os governos anteriores deixaram de lado. “Cidade das
Bicicletas”, que bicicletas? Este veículo nasceu para ser transporte, não vejo
alguma circulando pelas ruas, nem mesmo um projeto decente de ciclovias, onde o
ciclista possa ir tranquilamente ao banco, trabalho, escola, supermercado e até
o lazer.
“Cidade das Flores”, onde? Quais? Quantas? Só vejo as tais nas
vitrines das lojas de 1,99, todas de plásticos com cores ácidas, já meio
desbotadas pelo sol do meio-dia. Os parques da cidade, onde estão? Lugares onde
as pessoas possam caminhar entre árvores, flores e orquídeas ao canto de
passarinho e cigarras. Lembram das cigarras?
Tudo virou estacionamento,
onde em breve irão construir mais um espigão de mau gosto. A cidade está à beira
de um colapso de identidade. Ficaremos igual a qualquer cidade medíocre deste
enorme Brasil.
Esqueçam o Centro da cidade. Guardem o que resta deste
espaço num caixinha de joias e façam disto um patrimônio histórico único.
Proíbam os carros, camelôs, botequins e façam desta área um lugar para se andar
a pé, longe dos barulhos urbanos. Em todas as cidades inteligentes do mundo, é
construído o shopping center longe do Centro, obrigando as pessoas a saírem do
miolo da cidade e atendendo aos moradores da periferia. Protegendo, assim, a
pracinha florida que abriga o coreto com a bandinha, a esquina de encontros e os
pequenos comerciantes. Na rua do Príncipe, que só Joinville tem, incentivem os
cafés típicos, lojas de lembranças, livrarias de autores locais, galerias de
arte com artistas da terra, chocolates, sorvetes. O joinvilense ainda chora de
saudades do sorvete da Polar, que não existe há mais de 40 anos.
Tenham
uma honesta humildade se eleitos. Os senhores não virarão imperadores da cidade.
Terão apenas uma pequena autoridade de síndico. Cuidem da melhor forma possível
do que existe e criem coisas novas, desde que sejam geniais. Cerquem-se de
pessoas talentosas e cultas, para bem polir seus projetos. Todos os senhores já
são bastante viajados, mas isto não basta. Parem de frequentar lojas de
departamento e só pensarem em compras. Visitem museus, galerias, escolas,
catedrais e igrejas. Esqueçam os restaurantes caros em busca de vinhos
estrelados, tomem o vinho da casa e vão conhecer os jardins, parques e avenidas.
Não aluguem limusine, andem a pé pelas ruelas das cidades, metrô ou ônibus.
Aprendam a observar, observar tudo e todos. Comprem uma máquina fotográfica, não
para o álbum de viagem, mas para fotografar ideias e soluções. Sejam uns
vampiros de ideias boas para adaptarem para nossa cidade. Fiquem tranquilos,
roubar ideias não é pecado e nem ilegal. Picasso fez isto nas artes e foi o
maior pintor, bebeu na fonte das esculturas greco-romanas e máscaras africanas.
Todos os artistas impressionistas se inspiraram nas artes seculares dos
japoneses.
Quando tiverem alguma dúvida, perguntem a um desconhecido,
jamais aos seus assessores, pois sempre irão responder ao seu favor para lhe
agradarem.
Sei que os tempos mudaram e não mais se administra uma cidade
como outrora. O poder do prefeito não tem mais alguma autonomia. Não é mais
“personagem”. Agora ele tem que dividir a mesa de trabalho com outros filhos de
outros casamentos. Tem que seguir à risca as leis da bíblia do partido. Tem que
rezar os projetos de suas seitas, igrejas ou bordéis patrocinadores. Portanto,
caros senhores candidatos, não prometam nada, nada mesmo, que não possam
realizar. O povo – entre ele, eu – ainda acredita na dignidade e na grandeza do
ser humano. Por todo nosso amor a Joinville!
Juarez Machado, Joinville,
agosto de 2012.
*Juarez Machado, joinvilense, é artista plástico,
escultor, desenhista, caricaturista, designer, escritor, fotógrafo e ator. Tem
seu trabalho reconhecido em todo o mundo, seja em prêmios ou em exposições. É
autor do mural “O Grande Circo”, que dá as boas-vindas aos visitantes do
Centreventos Cau Hansen, e celebrou seus 70 anos com a mostra “Soixante-Dix”,
exposição aberta no ano passado em Paris e que está em cartaz até 2 de setembro
no Museu de Arte de Santa Catarina (Masc).
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