Terça-feira, Julho 31,
2012
O GLOBO -
31/07
As declarações do ministro Aldo
Rebelo sobre o fato de a ex-ministra Marina Silva ter carregado a bandeira
olímpica poderiam ser apenas mais uma exibição dos maus modos do ministro, ou de
suas esquisitices. Mas foi pior do que isso. Sua fala pública e a de outros nos
bastidores mostram que eles confundem país com governo, o que é comum apenas em
regimes autoritários.
O mal estar gerado por algo que deveria ser visto como
um motivo de orgulho foi mais significativo do que pode parecer. É autoritarismo
o que está implícito na ideia de que só governistas podem representar o país,
suas causas, suas lutas. Era comum no regime militar essa mistura entre o
permanente e o transitório, essa apropriação do simbolismo da pátria pelos
governantes. É também falta de compreensão do que é o espírito olímpico: a boa
vontade que prevalece sobre as diferenças. Foi por isso que os escolhidos
representavam o combate à pobreza, a luta por justiça, os pacificadores, o
esforço de convivência entre povos, a preservação da Terra.
Quem o
ministro gostaria que fosse o símbolo da proteção da floresta? Ele e seu projeto
de Código Florestal que permitia mais desmatamento? Marina dedicou a vida a essa
causa, desde o início de sua militância com Chico Mendes. Esse é um fato da
vida.
"A Marina sempre teve boas relações com a aristocracia europeia.
Não podemos determinar quem a Casa Real vai convidar, fazer o quê?", disse o
ministro dos Esportes. Nisso revelou que desconhecia os fatos, as regras de
etiqueta, a lógica da festa, o simbolismo da bandeira olímpica, o que o governo
inglês pretendia com a abertura e até quem é responsável por organizar a festa.
Obviamente, não é a Casa Real.
Isso é mais espantoso, porque o Brasil é o
próximo país a receber uma Olimpíada e a preparação já está em andamento. Se
essa pequenez exibida na declaração do ministro tiver seguidores, o Brasil fará
uma festa governamental. Outro integrante do governo comparou a escolha de
Marina ao desfile de um trabalhista na frente de um governo conservador. A
espantosa confusão não é exclusividade do ministro, é feita por outros graduados
funcionários. Outros concordaram com essa canhestra interpretação. A
demonstração de desagrado do governo brasileiro foi tão evidente que o
representante inglês se sentiu obrigado a lembrar aos jornalistas o óbvio: a
escolha não foi política, porque este não é o momento.
O governo poderia
interpretar os fatos como os fatos são. O Brasil é detentor da maior fatia da
floresta com maior biodiversidade do planeta. É o segundo país em cobertura
florestal do mundo. O primeiro é a Rússia, que não tem a mesma riqueza de
espécies. Nem de longe. A escolha de uma brasileira demonstra esse
reconhecimento de que, numa causa estratégica para o século XXI, o Brasil tem
destaque.
Marina mostrou que tinha entendido exatamente o que tudo aquilo
representou. Fez declarações delicadas e com noção da grandeza do momento. O
incidente não é apenas uma descortesia à Marina, mas uma demonstração de falta
de capacidade de compreensão do espírito olímpico por parte dos governantes do
país que organizará a próxima Olimpíada.
Autoridades que falaram aos
jornalistas, com o compromisso de não divulgação de seus nomes, explicaram por
que estavam amuadas: não foram avisadas. Como a ex-ministra disse, os
organizadores pediram que não divulgasse a informação. Ela fez isso. Até a
presidente Dilma deu uma nota fora do tom ao dizer que "o Brasil fará melhor" na
festa de abertura. "Vai levar uma escola de samba e abafar". A hora era de
elogiar a festa de Londres e entender a complexidade da preparação da abertura
de uma Olimpíada. Não basta chamar uma escola de samba.
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