Washington Novaes – ESP -
13.07.12
Teremos mais uma "lei que
não pegou", a que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (12.305/10)?
Aprovada pelo Congresso Nacional, a lei deu prazo até o próximo dia 2 de agosto
para que todos os 5.565 municípios apresentem ao governo federal planos e ações
para essa área, consolidados em cada um no Plano Municipal de Gestão Integrada
de Resíduos Sólidos, sem o qual não poderão receber transferências voluntárias
de recursos da União. Quantos municípios o terão apresentado? Certamente, uma
minoria ínfima. Porque os planos deverão determinar o fim dos "lixões" (que são
mais de 2.900 em 2.810 municípios), a logística reversa (para recolhimento de
embalagens pelos geradores), planos de coleta seletiva em todos os municípios
(só 18% deles os têm para pequenas partes do lixo, menos de 1,5% vai para usinas
públicas; a Holanda recicla 80%), possíveis consórcios intermunicipais. Isso
quando se afirma que o País gera por dia mais de um quilo de lixo domiciliar por
pessoa, mais de 200 mil toneladas/dia, mais de 60 milhões de
toneladas/ano.
Diz
o Ministério do Meio Ambiente que não prorrogará o prazo. Mas, na verdade, a lei
começou a não ser cumprida ainda no Congresso, quando o relator do projeto
aprovado na Câmara dos Deputados, senador Demóstenes Torres, em combinação com
outros senadores, suprimiu do projeto o dispositivo que só permitia incineração
do lixo se não houvesse outra possibilidade - reaproveitamento, reciclagem,
aterramento - e não o devolveu à Câmara, como manda a legislação; mandou direto
para o então presidente Lula, que o sancionou. Ante os protestos de cooperativas
de recolhimento e reciclagem, prometeu mudar na regulamentação da lei - mas não
o fez. O panorama brasileiro na área é constrangedor. Metade do lixo domiciliar
total, que é orgânico, poderia ser compostada e transformada em fertilizantes
(para canteiros, jardins, parques, replantio de encostas, etc.), mas é sepultada
e apressa o fim dos aterros, assim como centenas de milhares de toneladas anuais
de resíduos agroindustriais (aproveitáveis para gerar energia). Uma ideia brutal
do desperdício é o recém-fechado Aterro de Gramacho (RJ), onde, ao longo de 34
anos, se formou uma montanha de 70 metros de altura e 1.300 quilômetros
quadrados de resíduos, sem coleta de chorume e metano (l8 mil metros cúbicos por
hora). Para servir ao Rio de Janeiro e mais quatro municípios.
Com
tantos desperdícios as despesas municipais com o lixo vão para as alturas. A
cidade de São Paulo, por exemplo, já próxima de 18 mil toneladas diárias, só em
varrição gasta R$ 437 milhões anuais para pagar a cinco empresas de limpeza de
ruas (Estado, 28/11/2010). Ainda assim, segundo o IBGE, o lixo espalha-se nas
ruas onde estão as casas de 4% dos paulistanos, perto de 500 mil pessoas (Folha
de S.Paulo, 6/7). E 400 toneladas a cada dia têm ido parar na Represa Billings
(Estado, 28/11/2010). O custo de um novo aterro para a cidade foi orçado
(26/3/2010) pelas empresas de limpeza em mais de R$ 500 milhões, para receber
apenas 2 mil toneladas diárias.
Não
é um drama paulistano apenas, é global. O mundo, diz a revista New Scientist
(4/8/2010), já produz mais de um quilo de resíduos por pessoa por dia nas
cidades, 4 milhões de toneladas diárias, mais de 1 bilhão de toneladas anuais. É
um dos componentes da insustentabilidade do consumo global, tão discutida na
recente Rio+20. O desperdício na maior cidade norte-americana é de um quarto a
um terço dos alimentos, em cujos produção, distribuição e processamento são
consumidos 15% da energia total no país (e este, com 5% da população mundial,
consome 20% da energia total). Cada família desperdiça US$ 600 por ano com
alimentos que nem chega a consumir.
Será inútil esperar que o
Ministério do Meio Ambiente possa socorrer os municípios que disserem não ter
recursos para cumprir a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Seu
orçamento total para este ano (Contas Abertas, 2/7) não passa de R$ 4,1 bilhões,
menos de 1% do Orçamento da União, e está contingenciado em R$ 1,1 bilhão. Não
tem recursos sequer para suas tarefas básicas, para a fiscalização, para quase
nada.
Continuará o desperdício.
Já tem sido mencionado neste espaço estudo da Unesp-Sorocaba em Indaiatuba (125
mil habitantes) que mostrou serem reutilizáveis ou recicláveis 91% dos 135 mil
quilos diários de resíduos domiciliares levados ao aterro (apressando o seu
esgotamento). Experiências em Goiânia e outros lugares já demonstraram que com
coleta seletiva adequada, reciclagem (papel, papelão, PVC), revenda de materiais
(alumínio e outros metais, vidro, madeira), compostagem de lixo orgânico é
possível reduzir a apenas 20% os resíduos encaminhados a aterros (prolongando a
sua vida útil).E ainda não se está falando de resíduos de construções (que
costumam ter tonelagem maior que a do lixo domiciliar), lixo industrial,
resíduos de estabelecimentos de saúde e outros, cujos custos de recolhimento e
disposição final costumam correr por conta das prefeituras.
O
Conselho Nacional do Meio Ambiente até já reduziu exigências para implantar
aterros que substituam lixões. Mas não parece provável que se tenha evoluído na
área. Mesmo porque persiste uma pressão para que os municípios, principalmente
os maiores, adotem como caminho - caro e perigoso - a incineração de resíduos,
que implica também a necessidade de gerar cada vez mais lixo. Quase todas as
grandes empresas da área de coleta de resíduos - que são das maiores
financiadoras de campanhas eleitorais no País - têm hoje empresas de
incineração. Em ano eleitoral, então, a sedução e a pressão parecem
irresistíveis. Mas o caminho ideal seria que cada gerador de resíduos
(domiciliar, industrial, da construção, agrícola, etc.) passasse, por lei, a ser
responsabilizado pelos custos proporcionais do que gera - como se faz em todos
os países que evoluíram nessa área.
* JORNALISTA,
E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
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