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DE MARÇO DE 2012
O
primeiro ano do governo da Presidente Dilma Rousseff foi marcado pelo maior
retrocesso da agenda socioambiental desde o final da ditadura militar,
invertendo uma tendência de aprimoramento da agenda de desenvolvimento
sustentável que vinha sendo implementada ao longo de todos os governos desde
1988, cujo ápice foi a queda do ritmo de desmatamento na Amazônia no Governo
Lula. Os avanços acumulados nas duas últimas décadas permitiram que o Brasil
fosse o primeiro país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de
emissão de carbono e contribuíram decisivamente para nos colocar numa situação
de liderança internacional no plano socioambiental.
Ao
contrário do anúncio de que a presidente aprofundará as boas políticas sociais
do governo anterior, na área socioambiental, contrariando o processo
histórico, há uma completa descontinuidade. A flexibilização da
legislação, com a negociação para aprovação de um Código Florestal indigno desse
nome e a Regulamentação do Artigo 23 da Constituição Federal, através da Lei
Complementar 140, recentemente aprovada, são os casos mais graves. A lista de
retrocessos inclui ainda a interrupção dos processos de criação de unidades de
conservação desde a posse da atual administração, chegando mesmo à inédita
redução de várias dessas áreas de preservação na Amazônia através de Medida
Provisória, contrariando a legislação em vigor e os compromissos internacionais
assumidos pelo país. É também significativo desse descaso o congelamento dos
processos de reconhecimento de terras indígenas e quilombolas ao mesmo tempo em
que os órgãos públicos aceleram o licenciamento de obras com claros problemas
ambientais e sociais.
Esse
processo contrasta com compromissos de campanha assumidos de próprio punho pela
presidente em 2010, como o de recusar artigos do Código Florestal que
implicassem redução de Áreas de Proteção Permanente e Reservas Legais e artigos
que resultassem em anistia a desmatadores ilegais. Todos esses pontos foram
incluídos na proposta que deve ir a votação no Congresso nos próximos dias, com
apoio da base do governo.
Os
ataques às conquistas socioambientais abrem espaço para outros projetos de
alteração na legislação já em discussão no Congresso. São exemplos a Proposta de
Emenda Constitucional que visa dificultar a criação de novas Unidades de
Conservação e reconhecimento de Terras Indígenas; o projeto de lei que fragiliza
a Lei da Mata Atlântica; os inúmeros projetos para diminuição de unidades de
conservação já criadas; a proposta de Decreto Legislativo para permitir o
plantio de cana de açúcar na Amazônia e no Pantanal e a discussão de mineração
em áreas indígenas.
As
organizações da sociedade - que apoiam o desenvolvimento não destrutivo e estão
preocupadas com a preservação do equilíbrio socioambiental no país - subscrevem
este documento, alertando a opinião pública para o fato de que o Brasil vive um
retrocesso sem precedentes na área socioambiental, o que inviabiliza a
possibilidade do país continuar avançando na direção do desenvolvimento com
sustentabilidade e ameaça seriamente a qualidade de vida das populações atuais e
futuras.
CÓDIGO
FLORESTAL -
É o ponto paradigmático desse processo de degradação da agenda socioambiental a
iminente votação de uma proposta de novo Código Florestal que desfigura a
legislação de proteção às florestas, concede anistia ampla para desmatamentos
irregulares cometidos até julho de 2008, instituindo a impunidade que estimulará
o aumento do desmatamento, além de reduzir as reservas legais e Áreas de
Proteção Permanente em todo o País. A versão em fase final de votação nos
próximos dias afronta estudos técnicos de muitos dos melhores cientistas
brasileiros, que se manifestam chocados com o desprezo pelos alertas feitos
sobre os erros grosseiros e desmandos evidentes das propostas de lei oriundas da
Câmara Federal e do Senado.
Em
outras oportunidades, durante os oito anos da administração Fernando Henrique
Cardoso e nos dois mandatos da administração de Luís Inácio Lula da Silva, houve
tentativas de reduzir os mecanismos legais de proteção a florestas e ao meio
ambiente. Mas a maior parte delas foram barradas pelo Executivo, devido à forte
contestação da sociedade. Hoje o Executivo se mostra inerte e insensível à
opinião pública, a começar pelo Ministério do Meio Ambiente que interrompeu a
realização das Conferências Nacionais de Meio Ambiente e tem sido conivente e
passivo frente ao desmonte da legislação pertinente à sua área de atuação.
Invertendo
aquela tradição, a atual administração deixou sua base parlamentar fazer o que
bem entendesse, entrando na discussão quando o fato já estava consumado e de
forma atabalhoada. Setores do governo interferiram para apoiar, às vezes
veladamente, às vezes nem tanto, as propostas que reduzem as florestas, enquanto
a tendência mundial, diante das mudanças climáticas, é aumentar a cobertura
florestal.
REDUÇÃO
DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO -
Nesse primeiro ano, o governo Dilma não criou nenhuma unidade de conservação e,
numa atitude inédita, enviou ao Congresso a Medida Provisória nº 558 que excluiu
86 mil hectares de sete Unidades de Conservação federais na Amazônia para
abrigar canteiros e reservatórios de quatro grandes barragens, nos rios Madeira
e Tapajós. Além de não ter havido prévia realização de estudos técnicos e debate
público sobre as hidrelétricas do Tapajós, a Constituição Federal estabelece que
a alteração e supressão de áreas protegidas só poderia se dar através de lei, o
que levou a Procuradoria Geral da República a impetrar Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal contra o uso de
Medida Provisória pela Presidente.
REDUÇÃO
DO PODER DE FISCALIZAÇÃO DO IBAMA -
O governo federal eleito com a maior bancada de apoio da história do país, que
deveria ser capaz de implementar as reformas necessárias para avançar o caminho
da democracia, da governança política, da economia ágil e sustentável, vem dando
sinais de ser refém dos grupos mais atrasados encastelados no Congresso. O que o
levou a aceitar e sancionar sem vetos a citada Lei Complementar 140, que retirou
poderes de órgãos federais, tais como o Ibama e o Conama, fragilizando esses
órgãos que tiveram importância fundamental na redução do desmatamento da
Amazônia e na construção da política ambiental ao longo dos últimos anos.
ATROPELOS
NO LICENCIAMENTO -
Mais do que omitir-se diante dos ataques à floresta, o governo federal vem
atropelando as regras de licenciamento ambiental, que visam organizar a expansão
dos projetos de infraestrutura no Brasil. Diferente do tratamento dado ao
licenciamento da BR 163 num passado recente, quando o governo construiu junto
com a sociedade um Plano de Desenvolvimento Sustentável da região de abrangência
da obra, o licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte é marcado pelo desprezo
às regras, às 3 condicionantes ambientais e à necessidade de consulta às
populações indígenas afetadas.
Esse
novo “modus operandi” vem tornando-se prática rotineira, o que ameaça a
integridade da região amazônica, onde pretende-se instalar mais de 60 grandes
hidrelétricas e 170 hidrelétricas menores. O conjunto de grandes e pequenas
hidrelétricas provocará não só mais desmatamento associado à migração e
especulação de terras como, ao alterar o regime hidrológico dos rios da região,
afetará de forma irreversível populações indígenas e comunidades locais.
PARALISIA
NA AGENDA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS -
Entre 2005 e 2010 o Brasil vinha dando passos decisivos ano após ano para
avançar a agenda de enfrentamento das mudanças climáticas no cenário nacional e
internacional. Esse esforço culminou, em 2009, com a acertada definição de metas
para redução de gases de efeito estufa incorporadas na Lei da Política Nacional
de Mudanças Climáticas que pautaram a virada de posição das economias
emergentes. A regulamentação da lei em 2010 determinou a construção dos planos
setoriais para redução de emissões em 2011. Porém o que se viu em 2011 foi uma
forte retração da agenda e nenhum dos planos setoriais previstos para serem
desenvolvidos no primeiro ano do governo Dilma foram finalizados nem sequer
passaram por qualquer tipo de consulta publica.
LENTIDÃO
NA MOBILIDADE -
A agenda socioambiental caminha vagarosamente mesmo nas áreas apontadas pelo
governo como prioritárias -- a construção de obras de infraestrutura. O PAC da
Copa, lançado em 2009, prevê investimentos de R$ 11,8 bilhões em melhoria da
mobilidade urbana, mas só foram efetivados 10% dos. Já é de conhecimento público
que os sistemas metroviários não estarão em operação em 2014. No início deste
governo foi lançado o PAC da Mobilidade, mas até o presente momento ainda não
foram selecionados oe projetos e assinados nenhum contrato para desembolso de
verba foi assinado.
LENTIDÃO
NO SANEAMENTO -
Os investimentos em saneamento também andaram mais devagar do que fazia crer a
intensa propaganda eleitoral. Com um orçamento inicial de R$ 3,5 bilhões, o
governo investiu efetivamente apenas R$ 1,9 bilhões, valor 21% menor que em
2010. A liberação de recursos pela Caixa Econômica Federal também deixou a
desejar (R$ 2,3 bilhões até novembro, apenas 25% do contratado). Peça
fundamental de uma estratégia de redução da poluição de nossas águas, o
saneamento básico no Brasil tem números vergonhosos: apenas 44,5% da população
brasileira está conectada a redes de esgotos; e desse esgoto coletado, somente
cerca de 38% é tratado (o que significa que mais de 80% do esgoto produzido no
Brasil é despejado na natureza).
LENTIDÃO
NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E AUMENTO DA VIOLÊNCIA NO CAMPO -
Não é apenas na criação de unidades de conservação e terras indígenas e
quilombolas que a hegemonia dos setores mais retrógrados do país se faz
presente. O primeiro ano do governo Dilma foi marcado pelo pior desempenho na
área de criação de assentamentos da reforma agrária desde, pelo menos, 1995. O
desembolso de recursos com ações para estruturar produtivamente os assentamentos
já existentes foi o mais baixo da última década: R$ 65,6 milhões.
O processo de titulação de terras indígenas e de quilombos também se
arrasta – em 2011, só uma terra de quilombo foi titulada e três terras indígenas
homologadas.
Esses
retrocessos coincidiram com o aumento da violência no campo. Segundo
levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 38 índios foram
assassinados nos nove primeiros meses do ano passado, sendo 27 no Mato Grosso do
Sul, cenário de tensas 4 disputas por direitos territoriais. Esses números são
engrossados por pelo menos oito assassinatos de agricultores familiares e/ou
extrativistas em disputas com grileiros de terras, principalmente na região
norte.
MINISTÉRIO
DO MEIO AMBIENTE INERTE –
Diante desses ataques contra a estrutura e competências de sua pasta, o
Ministério do Meio Ambiente, de forma inédita, tem acatado com subserviência
inaceitável os prejuízos para as atribuições de órgãos , como a fragilização do
Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento.
Frente as agressões ao bom senso e à ciência contidas na proposta do Código
Florestal, a Ministra deu seu beneplácito ao aceitar a alegação de que o texto
não continha cláusulas de anistia, quando ele claramente concede perdão amplo,
geral e irrestrito para a grande maioria dos desmatadores ilegais.
Diante
desses retrocessos apontados, as organizações sociais signatárias apelam para
que a Presidente cumpra os compromissos assumidos em campanha e retome a
implementação da agenda de sustentabilidade no País. Somente uma ação forte
nesse sentido evitará os graves prejuízos para a sociedade brasileira e que o
Brasil viva o vexame de ser ao mesmo tempo anfitrião e vilão na Rio + 20, em
junho deste ano.
Instituto
Socioambiental - ISA
Instituto
Democracia e Sustentabilidade - IDS
Fundação
SOS Mata Atlântica
Instituto
do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - Imazon
Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
Instituto
Vitae Civilis
Rios
Internacionais - Brasil
Rede
de ONGs da Mata Atlântica (RMA)
Grupo
de Trabalho Amazônica (Rede GTA)
Associação
de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi)
Associação
Alternativa Terrazul
WWF
Brasil
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