09 de
março de 2012
WASHINGTON NOVAES
O Estado de
S. Paulo
Deveria ser leitura obrigatória
para todos os governantes, de todos os níveis, todos os lugares, o documento de
22 páginas entregue no último dia 20 de fevereiro, em Nairóbi, no Quênia, aos
ministros reunidos pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, escrito
e assinado por 20 dos mais destacados cientistas que já receberam o Prêmio Blue
Planet, também chamado de Prêmio Nobel do Meio Ambiente. Entre eles estão a
ex-primeira-ministra norueguesa Gro Brundtland, coordenadora do primeiro
relatório da ONU sobre desenvolvimento sustentável; James Lovelock, autor da
"Teoria Gaia"; o professor José Goldemberg, ex-ministro brasileiro do Meio
Ambiente; sir Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, consultor do
governo britânico sobre clima; James Hansen, do Instituto Goddard de Estudos
Espaciais (Nasa); Bob Watson, conselheiro do governo britânico; Paul Ehrlich, da
Universidade Stanford; Julia Marton-Lefèvre, da União Internacional para a
Conservação da Natureza; Will Turner, da Conservação Internacional - e vários
outros.
Nesse
documento os cientistas traçam, com palavras sóbrias e cuidadosas, um panorama
dramático da situação do mundo, hoje, em áreas vitais: clima; excesso de consumo
e desperdício; fome; necessidade de aumentar a produção de alimentos e escassez
de terras; desertificação e erosão; perda da biodiversidade e de outros recursos
naturais; subsídios gigantescos nas áreas de transportes, energia, agricultura -
e a necessidade de eliminá-los. Enfatizam a necessidade de "empoderamento" das
mulheres e de grupos sociais marginalizados; substituir o produto interno bruto
(PIB) como medida de riqueza e definir métodos que atribuam valor ao capital
natural, humano e social; atribuir valor à biodiversidade e aos serviços dos
ecossistemas e deles fazer a base da "economia verde".
É um
documento que, a cada parágrafo, provoca sustos e inquietações, ao traçar o
panorama dramático que já vivemos em cada área e levar todo leitor a perguntar
qual será o futuro de seus filhos e netos. "O atual sistema (no mundo) está
falido", diz Bob Watson. "Está conduzindo a humanidade para um futuro que é de 3
a 5 graus Celsius mais quente do que já tivemos; e está eliminando o ambiente
natural, do qual dependem nossa saúde, riqueza e consciência. (...) Não podemos
presumir que a tecnologia virá a tempo para resolver; ao contrário, precisamos
de soluções humanas".
"Temos
um sonho", afirma o documento. "De um mundo sem pobreza e equitativo - um mundo
que respeite os direitos humanos - um mundo de comportamento ético mais amplo
com relação à pobreza e aos recursos naturais - um mundo ambientalmente,
socialmente e economicamente sustentável, onde desafios como mudanças
climáticas, perda da biodiversidade e iniquidade social tenham sido enfrentados
com êxito. Esse é um sonho realizável, mas o atual sistema está profundamente
ferido e nossos caminhos atuais não o tornarão realidade".
Segundo os cientistas, é
urgente romper a relação entre produção e consumo, de um lado, e destruição
ambiental, de outro: "Crescimento material sem limites num planeta com recursos
naturais finitos e em geral frágeis será insustentável", ainda mais com
subsídios prejudiciais em áreas como energia (US$ 1 trilhão/ano), transporte e
agricultura - "que deveriam ser eliminados". A tese do documento é de que os
custos ambientais e sociais deveriam ser internalizados em cada ação humana,
cada projeto. Valores de bens e serviços dos ecossistemas precisam ser levados
em conta na tomada de decisões. É algo na mesma direção das avaliações recentes
de economistas e outros estudiosos, comentadas neste espaço, a respeito da
finitude dos recursos naturais e da necessidade de recompor a vida econômica e
social em função disso.
O
balanço na área de energia é inquietador, com a dependência de combustíveis
fósseis, danos para a saúde e as condições ambientais. Seria preciso
proporcionar acesso universal de toda a população pobre aos formatos "limpos" e
renováveis de energia - a transição para economia de "baixo carbono" -, assim
como a formatos de captura e sepultamento de gases poluentes (ainda em
avaliação). Como não caminhamos assim, as emissões de dióxido de carbono
equivalente já chegam a 50 bilhões de toneladas anuais, com a atmosfera e os
oceanos aumentando suas concentrações para 445 partes por milhão (ppm)- mais 2,5
ppm por ano, que desenham uma perspectiva de 750 ppm no fim do século. E com
isso o aumento da temperatura poderá chegar a mais 5 graus
Celsius.
Na
área da biodiversidade, 15 dos 24 serviços de ecossistemas avaliados pelo
Millenium Ecosystem Assessment estão em declínio - quando é preciso criar
caminhos para atribuir valor à biodiversidade e seus serviços, base para uma
"economia verde". Mas para isso será preciso ter novos formatos de governança em
todos os níveis - hoje as avaliações cabem a estruturas políticas, sociais,
econômicas, ambientais, separadas e competindo entre elas.
E para
que tudo isso seja possível, dizem os cientistas, se desejamos tornar reais os
nossos sonhos, "o momento é agora" - enfrentando a inércia do sistema
socioeconômico e impedindo que sejam irreversíveis as consequências das mudanças
climáticas e da perda da biodiversidade. Se falharmos, vamos "empobrecer as
atuais e as futuras gerações". Esquecendo que vivemos em "uma sociedade global
infestada pela crença irracional de que a economia física pode crescer sempre,
deslembrada de que os ricos nos países desenvolvidos e em desenvolvimento se
tornam mais ricos e os pobres são deixados para trás".
Não se
trata de um manifesto de "ambientalistas", "xiitas" ou hippies. São palavras de
dezenas dos mais conceituados cientistas do mundo, que advertem: "A demora (em
mudar) é perigosa e seria um erro profundo".
É
preciso ler esse estudo (www.af-info.or.jp). Escutar. E dar consequências.
*JORNALISTA, E-MAIL:
WLRNOVAES@UOL.COM.BR
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