O QUE EU NÃO PODIA DEIXAR DE
ESCREVER SOBRE
O SUICÍDIO DO MOSQUITO
Edison
Jardim, advogado
O
Mosquito não se suicidou porque vivia sem dinheiro para prover o mínimo
necessário a uma existência razoável. O Mosquito também não se suicidou porque
as suas várias últimas tentativas de “saídas” de tal condição resultaram
infrutíferas. Desse tipo de agrura ele já estava, como se diz, com o “lombo
calejado”.
O
Mosquito não se suicidou porque não pôde exprimir a sua arraigada vocação
política, através do exercício de um mandato popular, pois não mantinha nenhuma
ilusão quanto a que, na democracia brasileira de eleições literalmente
compradas, pessoas idealistas e independentes como ele estão, definitivamente,
fora do jogo. A constatação da irreversibilidade histórica dessa situação foi,
isto sim, o elemento desencadeador das radicalizações, em postagens do seu
“Tijoladas”, nas críticas que fazia aos políticos profissionais que, na sua
acurada percepção, inviabilizaram o sonho que vinha sonhando acordado desde a praça
XV da “Novembrada”: de um regime democrático para o Brasil compatível com o
adjetivo.
O
Mosquito não se suicidou porque receava vir a ser preso. Ele há muito tempo já
vinha sendo avisado por mim de que, a manter-se no mesmo diapasão, o risco
disso ocorrer, lá na frente, era bem concreto. Não bastasse, o Mosquito sabia,
tão bem como qualquer um de nós, que “quem está na chuva é para se molhar”.
O
Mosquito não se suicidou porque tinha sido condenado, poucos dias antes de sua
dramática opção, a uma pena visivelmente exacerbada e, pois, absolutamente
injusta, na queixa-crime movida pelo empresário Fernando Marcondes de Mattos.
Não custa relembrar: durante a “Operação Moeda Verde”, o empresário Fernando
Marcondes de Mattos foi flagrado negociando a aprovação, pela Câmara de
Vereadores, e a sanção, pelo prefeito Dário Berger, de uma tal de “Lei da
Hotelaria”, que, especialmente, isentava-lhe do pagamento de tributos
municipais, inclusive zerando dívidas atrasadas, em troca do pagamento da
propina de R$ 500 mil, sob a forma de doação para o caixa 2 da campanha a
deputado federal do irmão do alcaide, Djalma Berger.
O
Mosquito também não se suicidou devido ao número de processos- que não era tão
grande como foi noticiado- a que respondia, instigados, a maior parte deles,
pelo “azarador” do PV em Santa Catarina, advogado Gerson Basso, com a aplicação
de que só são capazes os mais vocacionados vassalos do “chefe” de plantão.
Afinal de contas, mesmo que não tenha lido o excepcional livro: “O homem
medíocre”, do psicólogo, sociólogo e filósofo ítalo-argentino, José Ingenieros,
publicado em 1.913 ( eu fiz referências rápidas à obra numa conversa que
tivemos ), o Mosquito, mais que sabia, sentia na própria carne, que “as sombras
vivem com o desejo de castrar os indivíduos firmes e decapitar os pensadores
alados, e não lhes perdoam o luxo de ser viris ou ter cérebro.”
Vou mais
longe ainda: o Mosquito não teria se suicidado nem por causa do somatório de
todos os fatos acima expostos.
O
Mosquito se suicidou por ter sentido ruir o chão sob os pés com a cena que
passarei a descrever, digna de inaugurar, pelo seu grau paroxístico de
ilogismo, uma peça do teatro do absurdo ( ou melhor seria dizer: do teatro do
horror? ), a confirmar a cruel veracidade da afirmação feita ainda pela pena
genial de José Ingenieros, de que “todo idealismo encontra seu Tribunal do
Santo Ofício.”
Durante o
ato de interrogatório ( é o principal momento de defesa do réu ) do Mosquito,
na queixa-crime movida por Dário Berger, e na presença deste ( claro! ), um
promotor de Justiça do Ministério Público da campanha institucional: “O que
você tem a ver com a corrupção?”, perguntou-lhe ( logo a ele: o maior indignado
com a corrupção praticada, em profusão e às escâncaras, pelos políticos mais
importantes de Santa Catarina e de Florianópolis ), de supetão, se considerava
Dário Berger corrupto. Esse um promotor de Justiça não questionou o Mosquito
sobre a indigesta fotografia do prefeito Dário Berger postada em seu blog (
foram inúmeras as vezes em que eu ponderei e briguei para que ele a retirasse
da internet ). Diante da resposta peremptoriamente afirmativa do Mosquito, esse
um promotor de Justiça deu-lhe, no mesmo instante, voz de prisão, no que foi
corroborado pela juíza de Direito que presidia a audiência. Logo após o
incidente, pelo visto ainda dentro da sala de audiência, o Mosquito me
telefonou perguntando se era possível ser preso naquelas condições.
Respondi-lhe, sem titubear, que não, pois isso se conflitava com a finalidade
do instituto do interrogatório do réu e porque vivíamos, pelo menos em
hipótese, numa democracia. Ele, então, me colocou na linha o advogado dativo (
nomeado pelo juiz ) que o defendia nesse processo. Pouco depois, o Canga me
telefonava perguntando acerca da legalidade da participação do diretor
superintendente da FLORAM, Gerson Basso, como advogado do prefeito Dário
Berger. Disse-lhe que o Estatuto da OAB o proibia de atuar como advogado na
ação, mas pedi-lhe um tempo para consultar a lei a fim de poder fornecer-lhe
informações mais específicas. Não sem antes perguntar-lhe se tinha mesmo
certeza da ocorrência de tudo aquilo que o Mosquito acabara de nos relatar. A
resposta do Canga foi rápida e incisiva: “Está tudo na página do Poder
Judiciário! Eu vi agora mesmo.”
A tal
pergunta feita por esse um promotor de Justiça significa ou pode significar- o
que, no caso, dá no mesmo- muitas coisas. Provavelmente, os meus eventuais
leitores, boa parte deles muito mais inteligentes e preparados do que eu, irão
inferir dela outras mensagens explícitas ou não. Mas vão a seguir as três que
eu consegui detectar.
A
primeira mensagem: a pergunta indica um total desconhecimento por parte desse
um promotor de Justiça sobre como é operacionalizada a política no Brasil.
Nele, isso é mais grave porque o mesmo faz parte da Promotoria da Moralidade
Administrativa da Capital. Terei de dizer a esse um promotor de Justiça e, de
lambuja, a toda a sua categoria profissional, que a resposta correta à pergunta
feita ao Mosquito é mais abrangente e profunda do que a que foi dada por ele:
não é que o prefeito Dário Berger seja corrupto; corruptos são todos os
políticos profissionais que, hoje, infelizmente, dominam, sem exceção, a
administração pública e os parlamentos, nos três níveis federativos. É
inacreditável que esse um promotor de Justiça possa ainda ignorar que a
mola-mestra do sistema, que possibilita a profissionalização dos políticos
brasileiros, ou, em outras palavras, a sua eternização nos cargos executivos e
legislativos, é, única e exclusivamente, a corrupção. O Ministério Público
Estadual poderá um dia, quem sabe, ser eficaz em relação à investigação e
persecução penal e civil dos políticos corruptos, quando o procurador-geral e
os demais dirigentes desse órgão, que é o mais importante para o funcionamento
minimamente razoável da democracia, passarem a exigir, tanto dos inscritos nos
concursos públicos de acesso à carreira, quanto dos promotores e procuradores
de Justiça, mais assimilação crítica de notícias, reportagens e artigos sobre a
política brasileira, publicados nos veículos da grande mídia impressa nacional,
e nos blogs daqui da terrinha, e menos decoreba dos livros de tecnicalidades
jurídicas.
A segunda
mensagem: a pergunta indica que esse um promotor de Justiça adota, em relação
aos políticos mais importantes do Estado e de Florianópolis, a divisão
conceitual da honestidade. Para esses políticos, vale a honestidade formal ou
retórica; para nós outros, pobres mortais, a honestidade real. A honestidade
formal ou retórica funciona assim: o político importante pode ser um corrupto
de cruz na testa, mas se não tiver sido condenado pela Justiça através de
sentença transitada em julgado, ou seja, já não mais passível de recurso, então
nós outros, pobres mortais, não temos o direito de chamá-lo de corrupto. Esse faz
de conta moral da classe política só vigora como consequência da farsa em que
se consubstancia na prática o princípio da neutralidade de juízes de Direito e
promotores de Justiça. A tal da “Constituição Cidadã”, de 1.988, armou-lhes uma
cilada: para ascenderem na carreira, eles dependem da boa convivência com os
políticos que, no Brasil, quanto mais corruptos, mais influentes são. É
exatamente esse um promotor de Justiça que vem, há algum tempo, analisando o
rumoroso caso Monreal, que consistiu no pagamento de R$ 51,7 milhões efetuado
pela Celesc, na maior parte durante o período em que Eduardo Pinho Moreira
exerceu o cargo de presidente, sem que tivesse sido documentada a
contraprestação dos serviços de cobrança administrativa das faturas de energia
elétrica atrasadas. Todos estamos na mais viva expectativa do resultado de tão
extenuante trabalho de Sua Excelência, para sabermos, enfim, se podemos ou não
considerar o vice-governador corrupto.
Para a
terceira mensagem que suponho ter detectado, encontrei lastro em ninguém menos
do que Sigmund Freud. Pode ser até que eu esteja errado nessa minha
interpretação, afinal, sou advogado e nunca me submeti sequer a sessões de
psicanálise ( não que eu considere que não precisasse delas ). Freud é um
escritor que possui um estilo de grande plasticidade e, por incrível que
pareça, de fácil compreensão. Arrisco-me a estar demonstrando, agora, não ter
entendido patavina do seu pensamento profundo. Se não houve combinação prévia
entre os operadores do Direito presentes àquela audiência, a voz de prisão do
Mosquito dada por esse um promotor de Justiça adveio, sob a forma de “ato
falho”, das camadas do “pré-consciente” de sua psique ( o “pré-consciente” é a
área do “inconsciente” que, “facilmente, em condições amiúde produzidas,
transforma-se em consciente” ). A resposta do Mosquito trazia em seu bojo a
seguinte conclusão lógica, reconhecida por esse um promotor de Justiça através
da ação automática de dar-lhe voz de prisão: “Se ele afirma que um político tão
importante como o prefeito de Florianópolis, Dário Berger, é corrupto, e o
mesmo encontra-se em plena atividade, sendo eu o responsável, legalmente, por
processá-lo e obter do Poder Judiciário a sua condenação, catapultando-o da
vida pública, então ele está me chamando, sem dourar a pílula, no mínimo, de
inepto.”
Eu estou
entre os milhões de brasileiros que concordam com João Mangabeira, baiano
nascido em 1.880 e falecido em 1.964, que foi jurista, político e escritor: “O
Judiciário é o poder que mais falhou na República.” E, com ele, obviamente, o
seu irmão siamês: o Ministério Público.
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