MARCO ANTONIO VILLA
O Globo
Publicado em
13/12/2011
PELO VALOR DO ARTIGO O GRUPO GUARARAPES SE
ORGULHA EM REPASSÁ-LO
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é formado por
33 ministros. Foi
criado pela Constituição de 1988. Poucos conhecem ou
acompanham sua atuação, pois as atenções nacionais estão concentradas no
Supremo Tribunal Federal. No site oficial está escrito que é o tribunal
da cidadania. Será?
Um simples passeio pelo site permite obter
algumas informações preocupantes.
O tribunal tem 160 veículos, dos quais
112 são automóveis e os restantes 48 são vans, furgões e ônibus. É
difícil entender as razões de tantos veículos para um simples tribunal.
Mais estranho é o número de funcionários. São 2.741 efetivos.
Muitos,
é inegável. Mas o número total é maior ainda. Os terceirizados representam
1.018. Desta forma, um simples tribunal tem 3.759 funcionários, com a média
aproximada de mais de uma centena de trabalhadores por ministro!! Mesmo
assim, em um só contrato, sem licitação, foram destinados quase R$ 2 milhões
para serviço de secretariado.
Não é por falta de recursos que os processos
demoram tantos anos para serem julgados. Dinheiro sobra. Em 2010, a
dotação orçamentária foi de R$ 940 milhões. O dinheiro foi mal gasto. Só
para comunicação e divulgação institucional foram reservados R$ 11
milhões, para assistência médica a dotação foi de R$ 47 milhões e mais
45 milhões de auxílio-alimentação. Os funcionários devem viver com
muita sede, pois foram destinados para compra de água mineral R$170 mil.
E para reformar uma cozinha foram gastos R$114 mil. Em um acesso digno de
Oswaldo Cruz, o STJ consumiu R$225 mil em vacinas. À conservação dos jardins
— que, presumo, devem estar muito bem conservados — o tribunal reservou para
um simples sistema de irrigação a módica quantia de R$286 mil.
Se o passeio
pelos gastos do tribunal é aterrador, muito pior é o cenário quando
analisamos a folha de pagamento. O STJ fala em transparência, porém não
discrimina o nome dos ministros e funcionários e seus salários. Só é possível
saber que um ministro ou um funcionário (sem o respectivo nome) recebeu em
certo mês um determinado salário bruto. E só. Mesmo assim, vale muito a
pena pesquisar as folhas de pagamento, mesmo que nem todas, deste
ano, estejam disponibilizadas. A média salarial é muito alta.
Entre centenas de funcionários efetivos é muito difícil encontrar algum
que ganhe menos de 5 mil reais.
Mas o que chama principalmente a
atenção, além dos salários, são os ganhos eventuais, denominação que o
tribunal dá para o abono, indenização e antecipação das férias, a antecipação
e a gratificação natalinas, pagamentos retroativos e serviço extraordinário
e substituição. Ganhos rendosos. Em março deste ano um ministro
recebeu,neste item, 169 mil reais. Infelizmente há outros dois que
receberam quase que o triplo: um, R$404 mil; e outro, R$435 mil. Este
último,somando o salário e as vantagens pessoais, auferiu quase meio
milhão de reais em apenas um mês! Os outros dois foram “menos
aquinhoados”,um ficou com R$197 mil e o segundo, com 432 mil. A situação foi
muito mais grave em setembro. Neste mês, seis ministros receberam
salários astronômicos: variando de R$190 mil a R$228 mil.
Os
funcionários (assim como os ministros) acrescem ao salário (designado,
estranhamente, como “remuneração paradigma”) também as “vantagens eventuais”,
além das vantagens pessoais e outros auxílios (sem esquecer as diárias).
Assim, não é incomum um funcionário receber R$ 21 mil, como foi o caso do
assessor-chefe CJ-3, do ministro 19, os R$ 25,8 mil do assessor-chefe CJ-3 do
ministro 22, ou, ainda, em setembro, o assessor chefe CJ-3 do do
desembargador 1 recebeu R$ 39 mil (seria cômico se não fosse trágico: até
parece identificação do seriado “Agente 86”).
Em meio a estes
privilégios, o STJ deu outros péssimos exemplos. Em 2010, um ministro, Paulo
Medina, foi acusado de vender sentenças judiciais. Foi condenado pelo CNJ.
Imaginou-se que seria preso por ter violado a lei sob a proteção do Estado, o
que é ignóbil. Não, nada disso. A pena foi a aposentadoria compulsória.
Passou a receber R$ 25.00,00. E que pode ser extensiva à viúva como pensão. Em
outubro do mesmo ano, o presidente do STJ, Ari Pargendler, foi denunciado
pelo estudante Marco Paulo dos Santos. O estudante, estagiário no
STJ, estava numa fila de um caixa eletrônico da agência do Banco do
Brasil existente naquele tribunal. Na frente dele estava o presidente do
STJ.
Pargendler, aos gritos, exigiu que o rapaz ficasse distante
dele, quando já estava aguardando, como todos os outros clientes, na
fila regulamentar. O presidente daquela Corte avançou em direção
ao estudante, arrancou o seu crachá e gritou: “Sou presidente do STJ
e você está demitido. Isso aqui acabou para você.” E cumpriu a ameaça.
O estudante, que dependia do estágio — recebia R$ 750,00 —, foi
sumariamente demitido.
Certamente o STJ vai argumentar que todos os
gastos e privilégios são legais. E devem ser. Mas são imorais, dignos de uma
república bufa. Os ministros deveriam ter vergonha de receber 30, 50 ou até
480 mil reais por mês. Na verdade devem achar que é uma intromissão
indevida examinar seus gastos. Muitos, inclusive, podem até usar o seu
poder legal para coagir os críticos. Triste Judiciário. Depois de tanta
luta para o estabelecimento do estado de direito, acabou
confundindo independência com a gastança irresponsável de recursos públicos,
e autonomia com prepotência. Deixou de lado a razão da sua
existência: fazer justiça.
MARCO ANTONIO VILLA é historiador e
professor da Universidade Federal
de São Carlos (SP).
Nenhum comentário:
Postar um comentário