TAPAJÓS E CARAJÁS: FURTO, FURTEI, FURTAREI
José Ribamar Bessa Freire 09/10/2011
- Diário do Amazonas
Essa foi a vaia mais estrondosa e demorada de toda a
história da Amazônia. Começou no
dia 4 de abril de 1654, em São Luís do
Maranhão, com a conjugação do verbo furtar, e continuou ressoando
em Belém, num
auditório da Universidade Federal do Pará, na última quinta-feira,
6 de outubro, quando estudantes hostilizaram dois deputados
federais que defendiam a criação dos Estados de Tapajós e Carajás.
A vaia,
que atravessou os séculos, só será interrompida
no dia 11 de dezembro próximo, quando quase 5 milhões de eleitores
paraenses irão às urnas para votar, num plebiscito, se querem ou não a
criação dos dois Estados desmembrados do Pará, que ficará reduzido a
apenas 17% de seu atual território caso a resposta dos eleitores
seja afirmativa.
A proposta
de divisão territorial não é nova. Embora o
fato não seja ensinado nas escolas, o certo é que Portugal manteve
dois estados na América: o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão e
Grão-Pará, cada um com governador próprio, leis próprias e seu corpo
de funcionários. Somente um ano depois da Independência do Brasil, em
agosto de 1823, é que o Grão-Pará aderiu ao estado independente,
com ele se unificando.
Pois bem,
no século XVII, a proposta era criar mais
estados. Os colonos começaram a pressionar o rei de Portugal, D. João IV,
para que as capitanias da região norte fossem transformadas em entidades
autônomas. O padre Antônio Vieira, conselheiro do rei de Portugal,
D. João IV, convenceu o monarca a fazer exatamente o contrário,
criando um governo único do Estado do Maranhão e Grão-Pará sediado
inicialmente em São Luís e depois em Belém.
Para isso,
o missionário jesuíta usou um argumento
singular. Ele alegava que se o rei criasse outros estados na Amazônia,
teria que nomear mais governadores, o que dificultaria o controle
sobre eles. "É mais fácil vigiar um ladrão do que dois", escreveu Vieira em carta ao rei, de 4 de abril de
1654: "Digo, Senhor,
que menos
mal será um ladrão que dois, e que mais dificultoso será de achar dois
homens de bem que um só?
Num sermão
que pregou na sexta-feira santa, já em Lisboa, perante um auditório onde estavam membros da corte, juízes,
ministros
e conselheiros da Coroa, o padre Vieira, recém-chegado do Maranhão,
acusou os governadores, nomeados por três anos, de enriquecerem
durante o triênio, juntamente com seus amigos e apaniguados,
dizendo que eles conjugavam o verbo furtar em todos os tempos,
modos e pessoas. Vale a pena transcrever um trecho do seu sermão:
- "Furtam
pelo modo infinitivo, porque não tem fim o
furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes em que se vão
continuando os furtos. Esses mesmos modos conjugam por todas as pessoas:
porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados, e
as terceiras quantos para isso têm indústria e consciência?
Segundo
Vieira, os governadores "furtam juntamente
por todos os tempos". Roubam no tempo presente , "que é o seu tempo"
durante o triênio em que governam, e roubam ainda "no pretérito e no
futuro". Roubam no passado perdoando dívidas antigas com o Estado em
troca de
propinas, "vendendo perdões" e roubam no futuro quando "empenham
as rendas e antecipam os contrato, com que tudo, o caído e não caído, lhe
vem a cair nas mãos".
O
missionário jesuíta, conselheiro e confessor do rei,
prosseguiu:
"Finalmente,
nos mesmos tempos não lhe escapam os
imperfeitos, perfeitos, mais-que-perfeitos, e quaisquer outros, porque
furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais se mais
houvesse. Em suma, que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser
o supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar. E quando eles têm
conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado
toda a passiva, eles como se tiveram feito grandes serviços tornam
carregados de despojos e ricos; e elas ficam roubadas e consumidas".
Numa
atitude audaciosa, Padre Vieira chama o próprio
rei às suas responsabilidades, concluindo: "Em
qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías
diz dos príncipes de Jerusalém: os teus príncipes são companheiros
dos ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os
dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são
companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e os poderes; são
companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente,
seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao
inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo".
Os dois
novos Estados? Carajás e Tapajós? se criados,
significa mais governadores, mais deputados, mais juízes, mais
palácios, mais tribunais de contas, mais mordomias, mais gastanças e torradores
empafiósos do dinheiro público, mais quadrilhas distribuidas em 3 poderes,
enfim, mais assaltos aos cofres públicos
de todos os modos e formas.
Por isso,
o Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns,
sediado em Santarém, representando 13 povos de 52 aldeias, se pronunciou
criticamente em relação à proposta. Em nota oficial, esclarece:
"Os
indígenas, e os trabalhadores da região
nunca estiveram na frente do movimento pela criação do Estado do
Tapajós, porque essa não era sua reivindicação e também porque não eram
convidados. Esse movimento foi iniciado e liderado nos últimos anos por
políticos e pelos detentores do poder. E nós temos aprendido que o que é bom
para essa gente dificilmente
é bom para nós".
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