Código Florestal: a sociedade está realmente informada?
Rodrigo C.A.Lima
21/06/2011
Tive acesso à pesquisa Datafolha sobre a reforma do Código Florestal e, como pesquisador do tema, sinto-me na obrigação de esclarecer alguns pontos. O objetivo central da pesquisa foi “avaliar o conhecimento e opinião da população sobre os temas abordados na proposta para o novo Código Florestal”. Com esse propósito, foram feitas 1.286 entrevistas, sendo que 93% das pessoas moram nas cidades, 33% possuem de 16 a 29 anos, 44% têm ensino médio e 59% moram na Região Sudeste do Brasil.
A pesquisa revela que 85% dos entrevistados defendem a proteção das florestas e rios, mesmo que isso prejudique a produção de alimentos. E esse número mágico passa a ser usado como o argumento da sociedade para evitar alterações no Código Florestal, mais especificamente quanto à recuperação ou reconhecimento de certas atividades em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
O mais intrigante é ver que a pesquisa pretende refletir o sentimento da sociedade, que realmente não está informada sobre a reforma do Código (dos entrevistados, 6% se diz bem informados, 41% mais ou menos informados, 15% mal informados e 38% não tomaram conhecimento), como se as perguntas feitas conseguissem traduzir a realidade desse imenso País, carente de uma lei adequada à sua realidade.
Ao invés de servir como uma ferramenta positiva para o debate sobre a nova lei florestal, a pesquisa induz a sociedade a adotar uma posição: ou a proteção ambiental ou a produção agrícola, como se elas não fossem integradas. Essa dicotomia, ambiental versus rural, é a marca do atraso e das visões idealizadas entre dois mundos que são absolutamente interdependentes.
Perguntas - Basta analisar a formulação da pergunta: “Na sua opinião, as mudanças no Código deveriam: priorizar a proteção das florestas e rios mesmo que, em alguns casos, isso prejudique a produção agropecuária; priorizar a produção agropecuária mesmo que, em alguns casos, prejudique a proteção das florestas e dos rios”. Ora, considerando que apenas 6% dos entrevistados disseram estar bem informados sobre o debate, vale indagar se as pessoas realmente entendem as entrelinhas dessa pergunta!
Entendo as preocupações que o Artigo 8 trouxe quanto ao reconhecimento de atividades agropecuárias em APPs, desde que desmatadas até julho de 2008, o que na prática já estava previsto pela Emenda 186. No entanto, não se pode negar que, em algumas regiões do Brasil, a produção de alimentos ocupa áreas de encostas, beira de rios e montanhas, sem que essa produção gere impactos ao meio ambiente, com destaque para a cultura de arroz em várzeas.
Não se pode simplesmente obrigar a recuperação de todas as áreas de APP, pois além de desnecessário do ponto de vista científico, isso criaria um caos social em inúmeras cidades. No entanto, o texto deveria ser claro o suficiente para que a regra fosse a proteção das APPs e a produção agrícola fosse exceção - desde que cultivada com práticas conservacionistas.
Porcentuais - Não é fácil resolver esse nó da lei florestal, mas é preciso reconhecer que ele se tornou um problema grande porque nunca foi enfrentado de verdade. Voltando à pesquisa, vale destacar que 66% entendem que as atividades agrícolas em certas APPs podem ser mantidas desde que o solo seja protegido e a área não seja sensível a ponto de representar desastres naturais. Ora, esse número parece contraditório com os 85% que defendem a natureza em detrimento dos alimentos, o que justifica dizer que a pesquisa não foi bem feita e ao invés de ser esclarecedora, confunde os entrevistados.
A pergunta sobre o perdão das multas também é enviesada, pois induz as pessoas a pensar que as multas simplesmente serão perdoadas. 79% dos entrevistados é conta o perdão, o que é natural se a pergunta fosse tão simples assim. No entanto, em momento algum o novo Código Florestal deverá simplesmente perdoar multas, pois a nova lei buscará induzir a regularização ambiental das propriedades.
Quem cumprir as regras será perdoado, mas terá que recuperar APPs ou Reserva Legal, ou ainda compensar a Reserva Legal. Troca-se a adequação ambiental pelas multas, o que em direito se conhece como transação. Somente em casos específicos, como certas APPs que deverão ser reconhecidas, não haverá a cobrança de multas nem a obrigação de recuperar.
Critérios - Por fim, vale sugerir uma nova pesquisa com critérios que reflitam com maior profundidade os problemas que levam a não implementação do Código Florestal. Entendo que o tema é complexo, mas explicar o que é a insegurança jurídica causada pelas inúmeras alterações do Código desde 1965, mostrar as peculiaridades de certas APPs, esclarecer que proteger as florestas é um dever não só dos proprietários, mas de toda a sociedade, são somente alguns elementos que deveriam ser esclarecidos.
Além disso, seria no mínimo razoável que os entrevistados abrangessem mais pessoas que vivem no campo ou em cidades agrícolas. Parece razoável, ainda, aumentar o número de entrevistados entre 30 a 50 anos, afinal representam a maior parte da população economicamente ativa do País.
O que a reforma do Código Florestal precisa gerar é uma lei florestal equilibrada, adequada à realidade brasileira e que traga equilíbrio entre conservação e produção. Pesquisas como essa precisam ser um pouco mais detalhadas para ajudar a construir esse novo código. Enquanto os argumentos partirem do pressuposto de que um lado ganha e outro perde, todo o País sairá prejudicado.
Rodrigo C.A.Lima, advogado, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), é pesquisador da RedeAgro. E-mail: rlima@iconebrasil.org.br
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